30.3.08

Cinema & Literatura: Gótico - O Expressionismo


Nem só de “Dráculas” vive o chamado cinema gótico. É certo que “Drácula” é o ex libris do que denominamos de gótico na actualidade e negar a sua importância seria um exercício de ignorância mas vamos pô-lo de parte por agora e dada a sua relevância dedicar-lhe-ei mais tarde um capítulo (ou vários, dado a amplitude do tema). Vamos entender por gótico tudo aquilo que apresente uma estética obscura e um aglomerar de temas universais como o amor, a morte, o sobrenatural, o inconsciente, as trevas, a sombra, a luz, a beleza, a melancolia e o terror.


Aqui devem ser incluídos filmes de terror inspirados por clássicos da literatura romantica como por exemplo todas as versões de “Frankenstein” de Mary Shelley, o repertório quase todo do realizador Tim Burton, filmes de certos super-heróis da banda-desenhada como “Punisher”, “Batman”, “Ghost Rider” ou o mais flagrante deles todos “The Crow”.


E além destes é preciso também considerar os filmes expressionistas onde se encontram alguns dos pilares primordiais sob os quais assentam as bases da estética gótica tal como a conhecemos hoje. E como eu gosto de começar pelo ínicio é ao cinema expressionista que quero dedicar a minha primeira investida no que toca a divulgar os chamados filmes góticos.



Expressionismo: Algumas considerações para contextualizar os filmes. Muitos dos filmes considerados góticos hoje em dia, provêem de uma escola chamada Expressionismo. Na sua definição mais sintética e elucidativa da conceituada “Enciclopédia de Cinema” de Bordas, o Expressionismo uma “escola originária da Alemanha, nos anos 20, surgida em condições sociais, políticas e económicas muito particulares e que influênciou e ainda influência ínumeros realizadores, sobretudo da área do fantástico.” Movimento estético de vanguarda, teve no cinema a sua maior visibilidade embora tenha sido representado em todas as artes plásticas. Como qualquer vanguarda surgiu como uma reacção de ruptura com o movimento dominante. Neste caso era o Impressionismo. Se este visava a captura do movimento para as imagens paradas nos quadros, o Expressionismo visava ir mais longe e tornar visível o inconsciente, a mente humana em toda a sua complexidade e perturbação, filmar a alma e o medo. Uma arrojada proposta que provocou muita polémica mas teve a vantagem de ser verdadeiramente revolucionária e estabelecer o corte com as tendências mais académicas da sétima arte. Durante os anos 20, apesar da derrota na Guerra Mundial, Berlim era a capital de todas as experiências estéticas vanguardistas.
O Expressionismo foi uma delas e transformou-se num estilo, importante na sua época, mas também um marco pelas influências que ocasionou e se mantêm até aos nossos dias. Num período de acentuada crise económica, de profunda depressão psicológica colectiva, de clivagem sócio-económica, quando as feridas de guerra estão longe de estar cicatrizadas, o cinema volta a ser o escape, a ilusão, o ventre fecundo que faz sonhar e assustar. Ou seja, joga com as pulsões do ser humano. Enquanto Hollywood enveredou pelo entertenimento, o vaudeville, o luxo e o glamour de uns “loucos anos” dourados, a Europa drenada pela guerra não tem como competir usando as mesmas tácticas. O cinema europeu desiste de competir com Hollywood. Não faz sentido copiar Hollywood em imitações menores com orçamentos sobejamente inferiores.
Os europeus, em particular os Alemães, vão fazer um cinema diferente. E essa aparente fraqueza será a sua maior força. Fritz Lang e Friederich W. Murnau foram os líderes deste movimento, mesmo que o cinema de ambos tenha enveredado por outras estéticas, quando emigraram para os Estados Unidos e foram esmagados pelo sistema. Não foram os únicos. O Expressionismo influênciou igualmente G. W. Pabst, Wiene ou Paul Muni. Desse universo rico e fértil que era a Alemanha dos anos 20 que veria nascer o nazismo, verá também crescer essa “arte degenerada” que vai ser a etiqueta dada ao Expressionismo pelo Poder, por oposição à “arte monumental e propagandística” de Leni Riefensthal. Lotte Eisner, historiadora de cinema da época avança a interessante hipótese de que ambos os estilos estão conformes ao temperamento alemão. Nele coexistem as duas correntes: uma predisposição para a ordem, o rigor e a racionalidade, lado a lado com o gosto pelo grotesco, o telúrico, o patológico, o demencial e demoníaco, o mágico e onírico. O romantismo e o barroco são elementos de referência em qualquer uma destas vertentes. O Expressionismo é fundamentalmente esta segunda faceta da alma alemã. Para começar a falar de «filmes góticos expressionistas» é fundamental criar um elo de ligação entre estes dois movimentos tão afastados no tempo.



Fontes: Hodkinson, Paul: Goth: Identity, Style and Subculture (Dress, Body, Culture Series) 2002: Berg.
Kilpatrick, Nancy: The Goth Bible: A Compendium for the Darkly Inclined. 2004: St. Martin's Griffin.
Voltaire: What is Goth? (WeiserBooks, US, 2004) - A humorous and easy-to-read view of the goth subculture.

No comments: